Por Flávia Gonzalez Leite
Surge no cenário político maranhense grande
especulação quanto ao preenchimento da vaga de conselheiro do Tribunal de
Contas do Estado do Maranhão a ser aberta com a aposentadoria do conselheiro
Yêdo Flamarion Lobão, em outubro próximo. A dúvida é: a vaga de conselheiro é
da Assembleia Legislativa Estadual ou do Ministério Público de Contas?
O imbróglio consiste na titularidade da vaga, em
função do que reza a Constituição Federal, em seu artigo 73, § 2º, segundo o
qual “Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão escolhidos: I – um
terço pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, sendo dois
alternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao
Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal, segundo os critérios de
antigüidade e merecimento; (…)”
O aparente conflito em torno da vaga decorre da
ausência de representatividade no TCE/MA, até o presente momento, de
conselheiro oriundo do Ministério Público de Contas, instituição que veio a se
consolidar no Maranhão no ano de 2007, com o ingresso de quatro procuradores de
Contas aprovados em concurso público.
Não resta dúvida quanto à importância e à
imprescindibilidade de que reste assegurado a um membro do Ministério Público
de Contas o assento que lhe é de direito. No entanto, algumas premissas têm que
ser observadas em prol da legalidade e da defesa da ordem jurídica, que se
sobrepõem a interesses pessoais ou de carreira. Daí por que o estudo
aprofundado da questão leva a concluir-se que a vaga a ser preenchida não
pertence ao Ministério Público de Contas.
A Assembleia Constituinte de 1988 definiu um novo
perfil ao modelo dos Tribunais de Contas Brasileiros, adotando como princípio
fundamental a repartição de competências para indicação entre o Poder Executivo
e o Legislativo, incluindo, nessa balança, os cargos de origem técnica, como os
de auditores e membros do Ministério Público de Contas.
Com base nesse princípio, o STF editou a Súmula 653
em 2003, cujo Enunciado é cristalino: “No Tribunal de Contas Estadual, composto
por sete conselheiros, quatro devem ser escolhidos pela Assembléia Legislativa
e três pelo chefe do Poder Executivo Estadual, cabendo a este indicar um dentre
auditores e outro dentre membros do Ministério Público, e um terceiro a sua
livre escolha”.
Após a Carta de 1988, a primeira vaga do TCE/MA foi
preenchida em agosto de 1989 pelo conselheiro Raimundo Nonato Lago, escolhido e
nomeado pelo então chefe do Poder Executivo. Posteriormente, em dezembro de
1991, o conselheiro Yedo Lobão foi alçado ao cargo por escolha do Poder
Legislativo. Também o foram os conselheiros Jorge Pavão (agosto de 2000) e
Edmar Cutrim (outubro de 2000). O último a ser nomeado foi o conselheiro Caldas
Furtado (2002), escolhido dentre os membros da carreira de auditor pelo chefe
do Executivo. Assim, observa-se que, na atual composição do TCE/MA, existem
apenas três conselheiros provenientes da Assembléia Legislativa.
Observa-se, portanto, que o TCE/MA ainda não está
completo, segundo os termos da nova ordem constitucional (4 vagas da Assembléia
e 3 do Executivo). Tampouco foi integralmente preenchido segundo a regra de
transição estipulada pela Constituição Estadual, no artigo 52, § 3º, pois ainda
existem 2 vagas que foram preenchidas anteriormente à CF/88, por indicação do
então chefe do Executivo.
Assim, é indubitável que a vaga aberta com a
aposentadoria do conselheiro Yêdo Flamarion Lobão é da Assembleia Legislativa
do Maranhão, tendo em vista que:
a – A vaga fica vinculada à origem: A jurisprudência
já sedimentada do STF já definiu, no julgamento da ADI 2.117/MC, DJ 07.11.2003,
que a substituição de membros que ingressaram nos Tribunais de Contas após a
Constituição de 1988 deve obedecer ao critério da origem dos componentes,
vinculando-se cada vaga à respectiva categoria a que pertence. No mesmo
sentido, no julgamento da ADI 3688/PE, DJ de 24.08.2007, o ministro relator
Joaquim Barbosa defendeu que “cadeiras inicialmente preenchidas, após a CF/88,
por indicação da Assembleia Legislativa, tornam-se, verdadeiramente, cativas, no
sentido de que somente poderão ser preenchidas, após estarem vagas, por nova
indicação também da Assembleia Legislativa. Nesse sentido também as Suspensões
de Segurança n° 2357 e 2924/PB;
b – Nessa fase de transição para o novo modelo
constitucional, o novo regime de composição deve priorizar a proporcionalidade
entre os membros, vale dizer, o número de quatro integrantes escolhidos pelo
Poder Legislativo para três escolhidos pelo Executivo (consoante a ADI 219/PB,
DJ 23.09.94, a ADI 3255/PA, DJ 07.12.2007 e SS 2924/PB). Ou seja, deve ser
respeitado o critério da proporcionalidade de quatro Conselheiros indicados
pela Assembléia para três do Executivo, segundo a Súmula 653 do STF. Assim, por
hipótese, caso a vaga do conselheiro Yêdo Lobão viesse a ser provida por
indicação do Executivo, esta proporcionalidade seria desrespeitada, pois o
TCE/MA ficaria com a seguinte composição: apenas 2 indicados pela Assembleia
(Conselheiros João Jorge Pavão e Edmar Serra Cutrim) e todos os outros 5
escolhidos pelo chefe do Executivo, o que contrariaria expressamente o texto
constitucional e retardaria ainda mais a implantação do novo regime de
composição preconizado pela Carta de 1988.
Ainda no julgamento da ADI 3688/PE, o ministro
Joaquim Barbosa afirmou explicitamente que “A vaga do ministério público
impõe-se somente e exclusivamente na cota de escolha do Governador. Não se pode
retirar vaga que pertencia ao Poder Legislativo para garantir a
representatividade do Ministério Público”.
c – Por fim, também segundo o STF (ADI 3688/PE), “a
determinação acerca de qual dos poderes tem competência para fazer a escolha
dos membros dos tribunais de contas estaduais deve preceder à escolha da
clientela sobre a qual recairá a nomeação”. No mesmo sentido, o ministro Marco
Aurélio de Melo, em sede da ADI 1957/MC, DJ 11.06.1999, externou que
primeiramente deve-se perquirir a qual dos poderes cabe a indicação para
somente, em segundo momento, caso a competência do governador esteja
configurada, se saber qual clientela será escolhida (entenda-se clientela por
auditores, membros do MP Especial ou livre nomeação). No mesmo sentido, a ADI
1957/AP, DJ 22.10.2010, relator ministro Gilmar Mendes.
Exatamente pelas razões expostas acima, entende-se
que a dúvida levantada não resiste ao aprofundamento do tema, vez que a
jurisprudência já sedimentada do Supremo Tribunal Federal traça claramente as
diretrizes que devem ser adotadas na condução do processo de escolha do novo
conselheiro do TCE/MA.
Lutar, portanto, o bom combate é o que resta ao
Ministério Público de Contas fazer e o que o legitima enquanto instituição. Por
isso, aguarde-se a abertura de vaga vinculada ao chefe do Poder Executivo e,
então, o MPC garantirá, legitimamente, a representatividade que a CF/88 já lhe
assegurou.
Flávia Gonzalez Leite é Procuradora do Ministério Público de
Contas do Maranhão
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