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Em seminário prestigiado pelo governador cearense, Lula ensaiou expiação: ‘Somos seres humanos…’ |
A plateia ria, deleitada. Desvanecia-se com as tiradas do orador.
Embevecia-se com seus arroubos. Aplaudia, ovacionava. Era Lula, apresentando-se
no encerramento de um evento do PT, em Fortaleza –um dos 13 seminários que o
partido fará em diferentes capitais para festejar seu aniversário de 33 anos,
dez dos quais no poder federal.
“Aconteça o que
acontecer, nós temos candidata a presidenta da República. E vamos eleger a
Dilma em 2014”, disse Lula em sua penúltima frase. Tudo no discurso evocava a
disputa eleitoral, antecipada em um ano e oito meses. A depender da vontade do
sábio da tribo, será uma repetição das últimas três sucessões presidenciais.
O PT de um lado, o
PSDB do outro, eis o que deseja Lula. É preciso comparar, ele enfatizou.
Impregnada de ironia, a sentença final de sua fala elevou às alturas o frisson
que se respirava no auditório apinhado de militantes: “Olha, fazer o que nós
fizemos, precisa muito bico. Não basta ser grande e colorido, tem que ser
pontudo. Como a ponta da estrela desse partido.”
O blog assistiu ao
seminário do PT ao vivo, graças à transmissão provida pelo partido na internet.
Lula falou por mais de uma hora. Além de repisar sua preferência por Dilma e
sua gana pelos tucanos, o cabo-eleitoral do PT esboçou as linhas gerais da plataforma
de campanha do PT. Baseia-se em três pilares: comparação, comparação e
comparação.
Na semana passada,
falando num seminário organizado pelo PSDB mineiro, Fernando Henrique Cardoso
dissera: “O PT tinha duas metas. O socialismo e a ética. Sobre o socialismo
nunca mais falaram. Sobre a ética, meu Deus, não precisamos nem falar.” Sem
mencionar FHC, Lula respondeu:
“Tem um tema que eles
acham que é proibido: a questão da corrupção. Pois bem. Eu duvido, e peço pra
vocês estudarem, que tenha na história desse país um presidente que tenha
criado tanto instrumento de combate à corrupção quanto eu criei em oito anos.
Duvido.”
Sem usar a expressão
“mensalão”, um neologismo que o PT amaldiçoa, Lula falou do escândalo que
sacudiu seu primeiro reinado como nunca antes desde a condenação da cúpula do
ex-PT no julgamento do STF. Quem ouviu ficou com a impressão de que Lula
aproveitou os meses de silêncio sobre o caso para desenvolver um antídoto para
o veneno que os adversários destilarão na campanha.
“Companheiros, nós
temos que saber o seguinte: nós somos seres humanos, alguns de nós podem
cometer erros, é verdade. E quando cometer tem que ser julgado, como todo mundo
tem que ser julgado. Errou tem que ser punido. Mas nós não vamos permitir que
ninguém jogue em cima de nós a pecha que eles carregaram a vida inteira do
jeito de fazer política.”
Lula expia o
descalabro ético do seu governo pela metade. Ainda apelida de “erros” os crimes
que o Supremo esquadrinhou. Mas já não questiona a legitimidade do julgamento.
E não contesta mais a inevitabilidade das punições. Sintomaticamente, o
reposicionamento materializou-se no dia em que o presidente do STF, Joaquim
Barbosa, disse a correspondentes estrangeiros que as ordens de prisão dos
condenados do mensalão devem sair antes de julho.
Em vez de dar murro
em ponta de faca, Lula prefere agora jactar-se do Agora, prefere jactar-se dos
“instrumentos” que criou para lidar com a corrupção. Nas entrelinhas, insinua
que fez o que FHC não fizera: “Pode chamar o diretor da Polícia Federal pra
perguntar o que era a PF quando eu cheguei e o que era quando eu saí”, disse.
“Pode chamar o
Ministério Público e perguntar o que eles eram quando eu cheguei e como eles
[os procuradores-gerais da República] eram eleitos. Eu, por princípio de sindicalista,
indiquei todas as vezes o primeiro da fila, sem verificar quem era”,
prosseguiu. “E nunca pedi um favor pra eles, e não peço. Façam o que a sua
consciência quiser, porque quem julga as pessoas não sou eu. Deus vai julgar e
o povo brasileiro vai julgar um dia.” Não disse palavra sobre o STF, que já
julgou.
Lula arrematou:
“Pegue o que fizemos com a Controladoria-Geral da República [da União, na
nomenclatura oficial]”. O órgão fora criado sob FHC. Porém, no dizer de Lula,
“era apenas peça de ficção.”
Em fase de muda, Lula
absteve-se de reiterar o lero-lero segundo o qual o mensalão não passou de
caixa dois de campanha. Mas insinuou que não abandonou a tese. Fez isso ao
defender a reforma política como elixir para “moralizar a política nesse país”.
Na reforma de Lula, o financiamento das campanha seria público e “quem pegasse
dinheiro de empresa privada” cometeria “crime inafiançável.”
Acha que o bolso do
contribuinte é a saída para “baratear os custos das campanhas”. Do contrário,
disse ele, “em alguns anos só vai poder ser candidato a vereador em Quixadá
[Ceará] o representante do Itaú, do Bradesco ou de uma multinacional.”
Lula disse à
militância extasiada que o partido não tem do que se envergonhar. Ao contrário.
Em dez anos, “fizemos tantas coisas nesse país que não temos nenhum direito de
temer enfrentar qualquer debate.” Quem teme a comparação é “o outro lado”,
disse, referindo-se ao tucanato. “Eles ficavam sem dormir quando eu falava
‘nunca antes na história do Brasil’. Eu fazia isso que era pro povo compreender
o que ele tinha e o que ele passou a ter. E a Dilma tem que continuar fazendo,
porque a comparação é a evolução das coisas que aconteceram nesse país.”
Compara daqui,
compara dali Lula fez uma referência explícita ao tucano Pedro Malan, ministro
da Fazenda da era FHC. Disse que não teria lançado o Bolsa Família se ficasse
preso ao Orçamento herdado do antecessor. “Porque o Orçamento não dava pra
pagar as contas! Vocês tão lembrados que o Malan corria todo ano pro Fundo
Monetário pra pegar dinheiro pra fechar o caixa.”
À medida que ia
esmiuçando o raciocínio, Lula cuidava de aproximar o discurso de um linguajar
que pode ser encaixado em qualquer mesa de boteco: “É como se o pobre tivesse
uma dívida e, ao invés de ele arrumar um jeito de pagar –trabalhar, fazer
qualquer coisa—, ele começava a vender a cama, a geladeira, no outro dia o
fogão, no outro dia a televisão. Por último ele vendia a alma.”
Lula vai retomando os
bordões que tiram seus antagonistas do sério. “O que eles fizeram?”, pergunta
de si para si. “Eles foram destruindo o país”, exagera. “Eles foram desmontando
o país num processo de privatização sem precedentes”, ele acrescenta, sem se
dar conta de que Dilma está às voltas com o lançamento de programas que confiam
à iniciativa privada obras rodoviárias, ferroviárias e aeroportuárias.
De repente, Lula vai
aproximando seus ataques do senador mineiro Aécio Neves, o presidenciável do
PSDB. Sem mencionar-lhe o nome, diz que os tucanos costumam vender-se como
“bons gestores”. Evocando o mote dos governos de Aécio em Minas Gerais, Lula
faz piada: “Quando vocês ouvirem as palavras ‘vamos dar um choque de gestão’,
não se iludam: significa mandar peão embora. Significa piorar a qualidade do
serviço e mandar gente embora.”
Depois de tripudiar
do antagonista, Lula achegou-se a Dilma. “O que nós estamos fazendo é apenas o
começo. Eles não sabem do que nós somos capazes”, disse, sob ovação dos
presentes. “Lembro quando eu fui conversar com a Dilma pela primeira vez. Eu
ficava pensando: será que essa baixinha vai querer ser presidenta? Porque
política é uma desgraça. Politica vicia.” Risos.
“E eu: será que ela vai querer ser? Quando eu
falei, senti que os oinho dela brilhou. Brilha que não apaga
mais”. Gargalhadas. “Sabe por quê? Porque a gente tem consciência do que está
fazendo nesse país. O brilho apaga para aqueles políticos que começam o mandato
com 80% e terminam com 20%, sem coragem de sair pra rua. Mas pra quem tem
coragem de sair pra rua, não acaba nunca. Eles sabem que pra nós não tem tempo
ruim.”
Pela terceira
campanha consecutiva, Lula serve-se da tática do “nós contra eles”. É como se
tentasse esvaziar a iminente candidatura de Eduardo Campos, do PSB. Uma
alternativa que germina no coração do condomínio governista. Ao defender a
política de alianças do PT, ele fez uma alusão ao cheiro de queimado. “Tem
muita futrica na televisão, fulano briga com sicrano. Eu não tenho dado
palpite. Não vou dar declaração. Só tenho certeza de uma coisa: aconteça o que
acontecer, nós temos candidata a presidenta da República. E vamos eleger a
Dilma em 2014.”
Fonte:
Blog do Josias
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