Um dos períodos mais épicos da história brasileira é
conhecido como ciclo do ouro. No final do século 17, empreendedores e
aventureiros correram para a remota Minas Gerais, atraídos pelas primeiras
pepitas. O ouro garantiu prosperidade à colônia e à metrópole. Enquanto Vila
Rica e as localidades vizinhas ganhavam igrejas barrocas e casarões, Portugal
enchia os cofres à custa do quinto e da derrama, os impostos cobrados dos
mineradores.
Passaram-se três séculos, e a mineração nunca perdeu o
papel de protagonista da economia brasileira. Os minerais respondem hoje por 5%
do produto interno bruto (PIB). Mais exportados que o petróleo e a soja, são a
grande estrela da balança comercial.
No passado, a mão pesada de Portugal no quinto e na
derrama deflagrou a revolta dos mineradores. A crise chegou ao ápice na
Inconfidência Mineira, a conspiração separatista aniquilada pela Coroa. No
século 21, a taxação da atividade mineradora volta a ser motivo de conflito.
De um lado, agora, estão estados e prefeituras, que
querem subir um dos encargos que as mineradoras pagam aos cofres públicos. Do
outro lado, estão as empresas, que tentam preservar suas margens de lucro. O
dinheiro em disputa são os royalties da mineração. Trata-se da contrapartida
das mineradoras pelo direito de explorar um bem público — toda riqueza mineral,
até mesmo a localizada em propriedade particular, pertence à União.
As empresas pagam royalties que vão de 0,2% a 3% do
faturamento com a venda — a porcentagem varia conforme o mineral. O encargo,
tecnicamente chamado de Compensação Financeira pela Exploração de Recursos
Minerais (Cfem), é recolhido pela União, que entrega quase todo o bolo (88%)
aos estados e municípios de onde se extraem os minerais.
No ano passado, os royalties injetaram nos cofres públicos
R$ 1,8 bilhão. Com esse dinheiro, o governo arcaria com o Programa Nacional de
Aids por um ano e meio. Estados e municípios, porém, consideram o montante
pífio. Dizem que não é nada se comparado ao lucro das mineradoras. Na
inexistência de cifras consolidadas, a produtividade do setor pode ser
vislumbrada por meio dos royalties. De 2005 a 2012, o valor recolhido cresceu
4,5 vezes.
Governadores e prefeitos também gostam de citar as
indústrias petrolíferas, que, a título de royalties, pagaram R$ 31,7 bilhões em
2012. No petróleo, a compensação chega a 10% do faturamento.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) e o Instituto
Brasileiro de Mineração (Ibram), que representam as empresas, foram procurados
pelo Jornal do Senado, mas não quiseram se manifestar. Em outras
ocasiões, as mineradoras disseram que uma mudança drástica nos royalties
levaria à quebra pequenos e médios empresários, que já pagam impostos demais.
Em 2007, a consultoria Ernst & Young analisou em 21
países os tributos incidentes sobre 12 minerais. O Brasil foi o campeão na
taxação de oito minerais. Em quatro, ficou no segundo ou no terceiro lugar.
Propostas
É grande a chance de governadores e prefeitos vencerem a
queda de braço contra as mineradoras. O governo promete submeter ao Congresso a
proposta de um novo Código da Mineração — que, entre outras mudanças, prevê
royalties com alíquotas mais fartas. Aprovado o código, a arrecadação atual
triplicará.
No entanto, não se sabe quando isso ocorrerá. A promessa
de uma nova lei foi feita cinco anos atrás, mas vem sendo adiada repetidamente.
Na semana retrasada, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, mais uma vez
deu um novo prazo. Disse que o Congresso Nacional receberá a proposta neste
mês.
— Até aqui, o governo deu prioridade a outros temas no
Congresso, como royalties do petróleo, Código Florestal e MP dos Portos. As
votações foram difíceis e desgastaram o governo. Parece que a estratégia é
esperar um momento político favorável para votar a mineração — diz Anderson
Cabido, secretário-executivo da Associação dos Municípios Mineradores do Brasil
(Amib).
Na falta do projeto oficial, dois senadores, Flexa
Ribeiro (PSDB-PA) e Clésio Andrade (PMDB-MG), concluíram que o reajuste das
alíquotas sairia mais rapidamente se cada um propusesse uma nova lei dos
royalties da mineração no Brasil com linhas semelhantes às prometidas pelo
governo.
O projeto de Flexa (PLS 1/2011) muda a base de cálculo. No lugar
de uma porcentagem do faturamento líquido das mineradoras, como se faz hoje, os
royalties passam a ser calculados sobre o faturamento bruto. A arrecadação fica
mais alta porque são somados à base de cálculo os gastos com o transporte do
mineral, os impostos e os seguros.
Neste momento, o que o Senado estuda é um substitutivo
baseado na proposta de Flexa. Segundo o texto, feito por Aécio Neves (PSDB-MG),
a alíquota máxima sobe dos atuais 3% do faturamento líquido para 5% do
faturamento bruto. O substitutivo também impõe uma cobrança extra às minas mais
lucrativas — a participação especial, já cobrada do petróleo.
O projeto de Clésio (PLS 283/2011) muda os royalties do minério
de ferro. Hoje em 2%, o valor devido ao governo cresce para 4% do faturamento
líquido. O minério de ferro responde sozinho por 72% da arrecadação total de
royalties.
— A alíquota baixa se justifica quando a margem de lucro
da mineradora é estreita ou quando a concorrência internacional é muito
acirrada. Nada disso se aplica ao minério de ferro — argumenta ele.
Campanha na TV
O Brasil é o maior produtor de nióbio, o segundo de
ferro e manganês, o terceiro de bauxita e o quinto de cobre. A brasileira Vale
ostenta o posto de terceira mineradora mais valiosa do planeta.
As minas mais férteis são as da região do Quadrilátero
Ferrífero (MG) — o ponto nevrálgico do ciclo do ouro — e as do município de
Eldorado dos Carajás (PA). Os cofres estaduais e municipais de Minas Gerais e
do Pará são destino de 82% dos royalties.
Por essa razão, são esses os estados mais empenhados em
elevar o desembolso das mineradoras. Clésio e Aécio são mineiros. Flexa é
paraense. Prefeitos e governadores já foram mais de uma vez ao Palácio do
Planalto e ao Congresso Nacional pedir rapidez na reforma dos royalties.
Na tentativa de angariar apoio popular, tal qual o
obtido em 2011 pelo Rio em torno dos royalties do petróleo, o governo de Minas
chegou a exibir na TV o
carturnista Ziraldo e o cirurgião plástico Ivo Pitanguy pedindo “minério com
mais justiça”.
Em outra frente, Minas e Pará criaram em 2012 uma taxa
pela fiscalização da atividade mineradora, cobrada por tonelada extraída.
Analistas entenderam a medida como forma de mostrar que, para os cofres
estaduais, os royalties atuais são insuficientes. As empresas tentam nos
tribunais derrubar a cobrança.
A maior fatia dos royalties vai para estados e
municípios, e não para a União, com o intuito de compensá-los pelos impactos da
mineração. A atividade, por exemplo, atrai contingentes de imigrantes, o que
exige investimento extra em educação, saúde, saneamento, habitação e segurança.
A extração mineral destrói a paisagem e ameaça a fauna.
Um caso é emblemático. Ao longo da década de 80, a Mineração Rio do Norte
despejou seus rejeitos no Lago Batata, em Oriximiná (PA) — o processo de
lavagem da bauxita produz toneladas de lama. Por causa do assoreamento, a água
do lago subiu tanto que dizimou a mata de igapó que crescia nas margens e
acabou com o habitat dos peixes e dos animais que viviam ao redor. O lago até
hoje não conseguiu se recuperar totalmente.
A mineração sobrecarrega ruas e estradas com caminhões,
tratores e escavadeiras. Na pequena Congonhas (MG), os varredores chegaram a
recolher das ruas, num só dia, 7 toneladas de poeira de minério de ferro. Em
2010, a população protestou pondo máscaras cirúrgicas no rosto dos apóstolos de
pedra-sabão esculpidos por Aleijadinho.
Apesar dos danos, prefeitura nenhuma abre mão das
mineradoras. Isso significaria ver postos de trabalho fechados, comércio
desaquecido e arrecadação reduzida.
Ao contrário dos anos da colônia, a mineração hoje não é
negócio para aventureiros. As empresas só se lançam quando entreveem um bom
retorno financeiro. Daí a urgência de uma nova lei dos royalties da mineração
no Brasil. Afirma Paulo Viegas, consultor legislativo do Senado especialista em
energia e mineração:
— Se já é certo que haverá mudança nos royalties, que se
faça logo. Enquanto paira esta indefinição, o Brasil perde investimentos.
Ninguém aposta num negócio sem conhecer as regras do jogo. Em vez de aplicar
aqui, os investidores estão levando o dinheiro para outros países.
Fonte: Agência Senado
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