Por Suely Caldas - O Estado de S.Paulo
É como injeção
na veia: ao drenar o sangue e espalhar o remédio pelo corpo, o efeito no
paciente é imediato. No Brasil o atraso político tem a força da injeção na
veia: seu efeito imediato é frear o progresso social e econômico. A diferença é
que o remédio busca curar o paciente, o atraso político persegue o oposto:
manter a população doente e dominada para garantir privilégios da elite
política atrasada.
Tem sido assim desde sempre, nas Regiões Norte e
Nordeste do País. Mas essa equação perversa começou a mudar. Gradual e
lentamente, é verdade, mas sem recuos, desde o final dos anos 90, quando levar
educação para todas as crianças virou política de Estado.
Por isso os resultados
da inédita pesquisa de desemprego do IBGE, divulgada há dias, trouxe boas surpresas.
Até agora não havia no País números confiáveis sobre desemprego com tal
abrangência: mais de 200 mil domicílios em 3.500 municípios (64% do País). A
velha Pesquisa Mensal de Emprego (PME) - agora substituída pela trimestral
Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (Pnad) Contínua - colhia
informações em apenas seis regiões metropolitanas, duas delas no Nordeste
(Salvador e Recife), nada no interior e zero na Região Norte. Daí a diferença:
no mesmo período pesquisado, a taxa de desemprego na PME foi de 6,2% e na Pnad,
de 7,4%.
A Pnad mostra
persistência nas desigualdades regionais: na Região Sul só 4,3% das pessoas que
trabalham estão desocupadas, enquanto no Norte a taxa sobe para 8,3% e no
Nordeste mais que dobra, para 10%. Mas a boa surpresa é que, empiricamente, sem
números a comprovar, a percepção que se tinha era pior. A pobreza escancarada
no Maranhão, Alagoas e Piauí, as precárias palafitas do Recife e a violência
selvagem na Amazônia formam, na imaginação humana, um retrato social muito pior.
Espera-se que o IBGE divulgue numa segunda etapa a renda do trabalho (quantos
ganham abaixo do salário mínimo?) detalhada por Estados para o retrato ganhar
maior nitidez.
A vida do nordestino
começou a melhorar na segunda metade da década de 1990 e não foi pela ação da
Sudene e Sudam, do dinheiro público para a indústria da seca, dos incentivos
fiscais nem dos programas clientelistas do tipo Vale Leite. Esse conjunto
institucional funcionou durante décadas e só serviu para engordar o patrimônio
das elites políticas. Na base do novo progresso estão, em primeiro lugar, o
Plano Real, que tirou a tragédia da inflação da vida dos nordestinos sem
dinheiro nem conta bancária para se defender; a prioridade na educação como
política de Estado, que expandiu escolas pelo sertão; o programa Bolsa Família,
que distribuiu renda para quem nada tinha e passou a exigir dos pais
regularidade na frequência escolar dos filhos; a migração de empresas do Sul e
do Sudeste em busca de salários mais baixos; a privatização de telefônicas e
distribuidoras elétricas, que trouxe para a região outras empresas; e a
abertura de fábricas de grandes multinacionais (Unilever, PepsiCo, Ambev) para
explorar o potencial de consumo aberto pela ascensão social da classe pobre.
Criada em 1959 pelo economista
paraibano Celso Furtado, a Sudene gerou desenvolvimento para o Nordeste até o
golpe militar de 1964, que levou seu criador para o exílio. Aí entraram em cena
as elites políticas locais, os coronéis, que mandavam e desmandavam. Com a
volta de eleições livres eles foram sumindo, mas há os resistentes que dominam
os eleitores pelos meios de comunicação (eles são donos de jornais, rádios e
emissoras de TV) e suas políticas enganadoras e clientelistas. Os mais
representativos deles são José Sarney e família, há 56 anos dominando o
Maranhão, e o ficha-suja Jader Barbalho, há 44 anos no Pará. A eles não
interessa levar progresso econômico, educação ou qualquer outro meio que faça
florescer a consciência política na população e os ameace.
Focos de corrupção e
roubalheira, a Sudene e a Sudam foram extintas em 2001 e ressuscitadas por Lula
em 2003, mas pouco operam. Uma CPI encerrada em 2001 apurou desvios de dinheiro
e fraudes de R$ 2,2 bilhões só na Sudene. É o retrato do atraso político.
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