Para Sérgio Amadeu, PSDB
adota 'estratégia do cinismo'. Ele considera inaceitável que a bandeira de
combate à corrupção seja conduzida por 'forças da corrupção'
Carro-chefe da editora Abril, a revista Veja lançada na
última sexta-feira (24) divulgou como matéria de capa uma acusação de que a
presidenta reeleita Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
ambos do PT, tinham conhecimento de um esquema de corrupção na Petrobras. Sem
apresentar qualquer prova, o conteúdo da reportagem era baseado em suposto
depoimento do doleiro Alberto Youssef à Polícia Federal, que foi desmentido por
seu advogado logo após a publicação.
Considerada a última “bala de prata” da oposição para tentar
impedir uma nova vitória petista sobre os tucanos, a reportagem foi contestada
duramente pela presidenta durante seu último programa eleitoral na TV na mesma
sexta-feira. Ainda naquele dia, a Justiça considerou a publicidade da revista
como “propaganda eleitoral” e também concedeu direito de resposta ao PT no site
da revista.
Ainda assim, o estrago já estava feito. A campanha e simpatizantes do PSDB distribuíram panfletos com a capa impressa da revista da Abril em várias cidades do Brasil. Já na madrugada de sábado (25) para domingo (26), circulavam boatos de que Alberto Youssef havia sido envenenado, algo que teve de ser desmentido com rapidez pela Polícia Federal.
“Essa operação da Veja mostra que ela não é um órgão de
comunicação, o que ela mostrou claramente é que ela é uma sala do comitê
político do PSDB no Brasil. A revista operou de maneira a desinformar. Ela
desinformou”, disse o sociólogo Sérgio Amadeu, doutor em Ciência Política pela
USP. Comparando o caso à ação midiática que ajudou a decidir o pleito
presidencial de 1989, com a eleição de Fernando Collor de Mello, Amadeu
acredita que o plano da editora Abril só não se concretizou nas urnas pela
existência da internet. “Existe hoje a internet, que não tinha naquela época.
Então, se não houvesse a internet, certamente o candidato Aécio Neves tinha
ganho a eleição.”
Para o cientista político, as redes sociais apontaram um
acirramento muito grande e deixaram claro que “a linha política e o conteúdo
discursivo das forças comandadas pelo PSDB” é baseada na “estratégia do
cinismo”. Amadeu também defendeu uma reforma política para se alcançar uma
legislação mais democrática dos meios de comunicação.
Qual foi a influência da capa
da revista Veja às vésperas do segundo turno presidencial entre Dilma e Aécio?
A capa da Veja foi feita justamente para influenciar o
resultado eleitoral. Ela normalmente está nas bancas no sábado, mas saiu na
sexta-feira. E era uma capa para, inclusive, ser impressa, tanto é que a
campanha do candidato Aécio Neves (PSDB) imprimiu essa capa justamente para
manter aquele clima que eles criaram no Brasil de demonização do outro. O grupo
Abril, em particular a revista Veja, já há muito tempo é organização que
defende interesses econômicos a partir da gestão da política. Não há como dizer
agora o quanto impactou, mas eles influíram claramente na votação de domingo,
porque o Aécio conseguiu, a partir desse tipo de ação, crescer e encostar na
candidata Dilma Rousseff no segundo turno das eleições.
Como o sr. avalia o papel da internet nessas eleições?
Como o sr. avalia o papel da internet nessas eleições?
Uma coisa que chama atenção nesse processo é que essa
operação já tinha sido feito nas eleições de 1989, com sucesso, mas não teve
desta vez. E por quê? Porque desta vez – além das pessoas já conhecerem a
manobra de grupos de comunicação misturadas à elite política econômica no caso
da vitória do Collor – também existe hoje a internet, que não tinha naquela
época. Então, se não houvesse a internet, certamente, o candidato Aécio Neves
tinha ganho a eleição, porque era o candidato preferido pelos grupos
econômicos, pelos banqueiros, pelo mercado de capitais. Inclusive oscilava a
Bolsa e, se você for ver, é muito curioso, quando as pesquisas davam a Dilma
crescendo, a Bolsa caía, o que mostra o humor desses especuladores financeiros.
A internet foi decisiva para a garantia de um debate que não existiria se
fossem apenas os meios de comunicação de massa atuando nessas eleições. Isso é
bastante nítido no processo eleitoral que ocorreu em 2014.
E as redes sociais?
As redes sociais, em particular, tiveram um papel grande e
mostraram, na verdade, um acirramento muito grande. Deixou claro, e é
importante que tudo fica registrado, qual é a linha política e o conteúdo
discursivo das forças comandadas pelo PSDB, que é baseada em preconceito, em
mentira e numa estratégia que podemos chamar de “estratégia do cinismo”. Eles
chegam a afirmar que nenhum corrupto ligado ao PSDB está preso ou foi julgado
por incompetência do PT, o que é uma coisa completamente cínica. Esse tipo de
ação, as pessoas não têm clareza de como vão lidar com isso. Agora, minha
opinião é bastante clara: é preciso mostrar concretamente o que é o PSDB do
ponto de vista da corrupção. É inaceitável que a bandeira da corrupção seja
tomada por forças da corrupção. É inaceitável.
Não tenho nenhuma dúvida do aparelhamento que (governador de
São Paulo) Geraldo Alckmin faz na Sabesp. Isso ficou nítido nas gravações
mostrando que eles são capazes de ganhar a eleição, inclusive se for para
deixar uma cidade em situação de calamidade. Nós temos que mostrar que eles são
uma junção de descompromisso com a democracia, de má gestão de recursos
públicos e de corrupção em larga escala, como foi feito em São Paulo. Réus
confessos entregaram as provas e o Ministério Público não faz nada. Então,
temos que ir para cima disso.
Temos que ir para cima do crime eleitoral cometido pela
revista Veja, temos que exigir o julgamento do mensalão mineiro antes que ele
prescreva e temos que mostrar toda a ligação que o PSDB tem com crime, com
práticas absurdas. Não podemos aceitar. E não vai ser falando “pessoal, o clima
de ódio é ruim”. Não. O clima de ódio só vai ser reduzido com argumentos
verdadeiros e racionais. Não é pedindo paz e amor, não, mas colocando
claramente para as pessoas, insistentemente, as falácias do discurso que eles
reproduzem para o Brasil. A gente tem que ser muito claro com isso, porque
disso depende a democracia, né?
O sr. acredita que o novo
governo possa mudar artigos que dizem respeito à comunicação?
Eu acho que um dos principais pontos da reforma política para
o Brasil é a reforma da comunicação. Essa operação da Veja mostra que ela não é
um órgão de comunicação, o que ela mostrou claramente é que é uma sala do
comitê político do PSDB no Brasil. A revista operou de maneira a desinformar.
Ela desinformou. Ela já havia feito isso se ligando a um criminoso chamado
Carlos Cachoeira e não aconteceu nada. O cara continua lá na sucursal de
Brasília, não foi preso, não foi condenado. Nós precisamos mexer nessas estruturas
de concentração econômica de poder, fazer uma reforma da comunicação, uma lei
de meios, como a da Argentina. E nós precisamos também de uma reforma política
que retire o poder do capital, que retire o financiamento privado de campanha,
mas que permita também à gente avançar em questões cruciais da sociedade
brasileira. Com uma Constituinte que não possa ser com estes deputados, que
tenha que ser exclusiva. O deputado que quiser fazer essa Constituinte só
poderá se candidatar para isso, para discutir as ideias e o futuro do país, e
não para vir com esquemas que a gente sabe que eles articulam, de grandes
corporações, de forças que bancam campanhas milionárias. Precisamos de uma
reforma política com uma Constituinte exclusiva e, nesse contexto, uma reforma
das comunicações.
Por que os partidos têm tido
certa dificuldade em atingir os jovens na internet?
A internet não é contraposta aos partidos, mas é que a
velocidade das comunicações e as relações intensas que existem na internet
geram muitas dificuldades para os partidos, principalmente para legendas
partidárias que são estruturas mais orgânicas. Por exemplo, o PSDB adotou e
atuou como estratégia na internet, e não é de agora, de desconstruir seus
opositores, no caso o governo federal e o PT.
E os tucanos fazem isso destilando preconceitos e coisas
absurdas. Se for ver o que dizem dos nordestinos, dos gays e das opções
políticas das pessoas, beira ao fascismo. Agora temos que ver o que os partidos
que são propostas democráticas e de esquerda podem refazer utilizando a
internet, mas é muito difícil fazer política só pelas estruturas partidárias.
Hoje, está muito claro que não é só o partido o elemento que faz política. Há
outras formas de se fazer política, inclusive com conexões, grupos e coletivos
de ativistas na internet.
Fonte: Plantão Brasil
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