Rebelião em
curso no maior parceiro do governo; sob a senha 'diálogo', comando do PMDB
despeja carga sobre a presidente Dilma Rousseff; após liderar derrubada do
decreto de conselhos populares, Henrique Alves assume pauta com votações de
diversas emendas orçamentárias de deputados; Renan Calheiros, no Senado,
adianta que conselhos também não serão aprovados na Casa; deputados se reúnem à
volta de Eduardo Cunha e candidatura dele para presidente da Câmara está
colocada; Dilma chama Alves ao Planalto; partido correu mais rapidamente para
emparedar governo do que esperava o PT; como antes da reeleição, é Dilma quem
volta a fazer sua própria articulação política; ela vai conseguir amansar o
PMDB?
O PMDB
correu primeiro – e, ao que se vê, já está na oposição ao governo Dilma
Rousseff. Ao menos a esse governo que vai completando o primeiro mandato e
inicia um processo de reforma ministerial para a segunda gestão. Sob a
senha do 'diálogo', que, em tradução para o português claro, significa ter
participação no ministério que a presidente prometeu anunciar até dezembro, o
PMDB já age por cargos.
Foi por
"falta de diálogo", na expressão do vice-líder do partido na Câmara,
Lúcio Vieira Lima, que a sigla impôs a primeira derrota ao governo na arena
parlamentar. Na terça-feira 28, aprovou-se a derrubada do decreto presidencial
que cria os conselhos populares. Hoje, após o peemedebista Henrique Alves ter
comandado a sessão na Câmara que arriou uma bandeira vistosa da administração
Dilma, o presidente do Senado, Renan Calheiros, anunciou que já está empenhado
em dar a mesma destinação ao assunto quando chegar à Casa.
Entre esses
dois atos, numa numerosa reunião, os deputados federais do PMDB se uniram à
volta do líder Eduardo Cunha para, na prática, impor a candidatura dele à
Presidência da Câmara. Em Brasília, ele já é visto como favorito. Durante a
eleição, ele integrou, discretamente, o movimento Aezão, no Rio de Janeiro.
Pouco antes do pleito, calculou que pelo menos metade da bancada de 66
deputados eleita pelo partido apoiaria um governo do adversário dela, Aécio
Neves.
A legenda é
a segunda maior da Câmara, atrás apenas do PT. O problema é que, se já foi
difícil para o partido do governo lidar com os peemedebistas nos primeiros
quatro anos de Dilma, agora vai ser mais difícil ainda. Enquanto o PT viu sua
bancada diminuir em 18 cadeiras, o PMDB só perdeu cinco em relação à atual
legislatura. Uma costura que una PSDB e PSB à candidatura de Cunha poderá ser
feita sem grandes esforços.
Está tudo
ajustado para que o governo perca, também no Senado, a votação sobre os
conselhos populares. Palavra de Renan Calheiros:
- Já havia
um quadro de insatisfação com relação à aprovação dessa matéria. Ela ser
derrubada na Câmara não surpreendeu, analisou o presidente do Senado, para
prosseguir:
- Da mesma
forma que não surpreenderá se ela for, e será, derrubada no Senado Federal,
cravou o senador alagoano.
A presidente
Dilma percebeu, é claro, o rumo cada vez mais oposto ao seu que o partido do
vice-presidente Michel Temer vai tomando. Assim como nos últimos quatro anos,
quando careceu de um grande articulador do PT para entender-se com os indóceis
peemedebistas, outra vez Dilma teve de chamar esse trabalho para si. Na tarde
desta quarta-feira 29, Alves, que perdeu as eleições para o governo do Rio
Grande do Norte, foi recebido pela presidente no Palácio do Planalto.
- Tivemos
uma conversa muito cordial, amável e respeitosa com a presidente Dilma, disse
ele, dentro do protocolo, para em seguida dar, mais uma vez, seu recado:
- Eu diria a
ela que ela faça o que prometeu fazer, ouvir muito, adiantou-se o presidente da
Câmara, que vem apontando na falta de apoio do ex-presidente Lula a
responsabilidade por sua derrota na eleição para governador do Rio Grande do
Norte.
- E,
sobretudo, em relação ao Poder Legislativo, ouvir mais, porque essa é a Casa da
ressonância da vontade popular.
O plano do
PMDB de Alves e Cunha está traçado na Câmara. Serão colocados em pauta projetos
de emendas orçamentárias de diferentes parlamentares, no que promete ser um show
de benefícios com dinheiro do Tesouro.
- Nada que
represente irresponsabilidade ou ameaça ao equilíbrio fiscal, completou Alves,
dando indicações de que a mordida no Orçamento vai ser grande.
O troco
político que Alves e Cunha estão dando no PT é evidente. Para o partido da
presidente, o problema continua sendo a falta de um negociador com poder
delegado para apagar incêndios legislativos antes que eles aconteçam. O segundo
governo Dilma só começa em 1º de janeiro de 2015, mas as primeiras labaredas já
estão consumido as energias de Dilma.
Abaixo, notícia da Agência Brasil a respeito:
Rejeição
de decreto na Câmara é como 3º turno para oposição, dizem especialistas
Andreia Verdélio - Repórter da Agência Brasil - Especialistas ouvidos pela Agência Brasil avaliam que
a derrubada, na Câmara dos Deputados, do decreto presidencial que regulamentava
a Política Nacional de Participação Social e os conselhos populares tem um
significado de revanche, de terceiro turno eleitoral, para os partidos de
oposição ao governo.
Desde a publicação
do decreto, alguns setores do Congresso Nacional vêm se opondo à ampliação da participação
da sociedade civil na elaboração de políticas do Estado, destacou o advogado
Darci Frigo, coordenador da Organização de Direitos Humanos Terra de
Direitos.
“Essa oposição se dá em função do entendimento
bastante conservador de que o decreto é uma ameaça à democracia representativa,
que está configurada através do voto. Mas a Constituição garante também a
democracia direta, em um processo como esse, que amplia a participação da
sociedade. Seria um avanço importante de qualificação da democracia, mas o
Congresso não quer dividir poder com a sociedade, e essa negativa confronta com
as mobilizações que ocorreram no Brasil em 2013, que pediam essas mudanças”,
disse Frigo.
Para o advogado, a participação popular não implica
a existência de conflito com os direitos parlamentares, mas sim complementa. “A
democracia representativa não faz o esforço para resolver os problemas que a
sociedade está vivendo. Isso sinaliza que, se a população não se mobilizar, não
ir às ruas de novo, a reforma política que está por vir pode ser no sentido de
retroceder e não atender aos anseios do povo”, completou.
Frigo conta ainda que a Articulação Justiça e
Direitos Humanos, da qual a Terra de Direitos faz parte, solicitou audiência
com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, para
discutir meios que permitam à sociedade participar de forma mais ativa no
processo de construção da Justiça do país. Ele conta que o ministro falou sobre
a ampliação dos mecanismos de participação em seu discurso de posse na
presidência da Corte. “Seria um passo importante para debater ainda mais a
participação popular.”
A presidenta
do Conselho Nacional de Saúde, Maria do Socorro Souza, explica que, na
prática não haverá mudança na criação de novos conselhos e eles continuarão
existindo. O decreto apenas regulamentava e reorganizava os conselhos e
responsabilizava mais os governos, nos três níveis.
“Temos quase 30 anos de democracia, mas é possível
melhorar, ter mais articulação entre a democracia participativa e a
representativa. Não é porque o Legislativo foi eleito pelo povo que damos o
direito de [os parlamentares] legislarem sem dar voz às comunidades. [A
derrubada do decreto] foi uma reação revanchista, precipitada, sem
transparência ou diálogo com uma política de Estado”, disse Maria do Socorro.
Em participação
ontem (28) no programa Espaço Público, da TV Brasil, o ministro das
Relações Institucionais, Ricardo Berzoini, disse que a derrubada do decreto não
é o fim do mundo. “Já perdemos várias, perdemos votações e a vida segue, claro
que queremos ganhar o máximo possível. Mas o resultado é ruim para quem defende
posições populares”, avaliou.
“É uma
derrota simbólica”, disse o assessor de Projetos e de Formação da Coordenadoria
Ecumênica de Serviço, José Carlos Zanetti. “O decreto seria o coroamento da
criação de um sistema de muitos conselhos já existentes, que legitimam
políticas públicas. Houve um sinal ruim com a suspensão do decreto que cria uma
cortina de fumaça naquilo que já estava acontecendo, provoca um desgaste na
sociedade”, disse.
Segundo a
coordenadora-geral da associação Ação Educativa e integrante da Diretoria Executiva da Associação
Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong), Vera Masagão, o decreto
estava ligado à transparência e coibia o aparelhamento do governo. Para ela, a
Câmara colocou em xeque a iniciativa de milhares de pessoas que,
voluntariamente, participam de conselhos em todos os níveis pelo país.
“Não há nenhum argumento válido [dos deputados]. A
perda é grave com a atitude do Congresso, uma ação que seria importante para a
democracia ser usada para embate político. E o que chama a atenção é a
participação de um grupo tão grande de lideranças de partidos historicamente
comprometidos com a participação social”, disse Vera.
A integrante da Abong acrescentou que a sociedade
saiu mais politizada da eleição e que é preciso cobrar desses partidos uma
oposição mais qualificada, com mais consistência dos argumentos e propostas
alternativas. “Se eles se sentem ameaçados, têm que explicitar”, argumentou
Vera.
O Projeto de
Decreto Legislativo 1491/14, que derruba o Decreto nº 8.243, de maio deste
ano, ainda passará pela avaliação do Senado Federal. O presidente da Casa,
Renan Calheiros (PMDB-AL), disse hoje que “dificilmente” o decreto será mantido
no Senado.
Fonte: Brasil 247
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