Relator da Comissão de
Reforma Política deve pedir mandatos de 5 anos para todos os cargos e eleição
conjunta para prefeito, governador e presidente
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O relator Marcelo Castro (PMDB-PI), à esquerda, discursa ao lado do presidente da Comissão de Reforma Política, Rodrigo Maia (DEM-RJ) |
As manifestações que tomaram as
ruas brasileiras na sexta-feira
13 e no domingo 15 possuem dois pontos em comum: amplo
descontentamento com o sistema político e uma avaliação negativa do Congresso.
O clamor popular, entretanto, não deve ter papel ativo nas discussões sobre
quais mudanças devem ocorrer no sistema eleitoral vigente no País. No
início do ano, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), instalou uma
Comissão de Reforma Política para debater o tema, tendo como texto-base um
projeto do ex-deputado federal Cândido Vaccarezza (PT-SP). A iniciativa foi classificada como
antidemocrática por não envolver
consultas populares prévias, crítica que a comissão tenta rebater com a
realização de uma série de audiências públicas com autoridades e especialistas
nas últimas semanas.
A
relatoria do colegiado está com Marcelo
Castro (PMDB-PI). Nesta entrevista a CartaCapital, o
deputado federal diz trabalhar "em ritmo de frevo de Olinda" para
apresentar em maio um projeto que busque consenso
entre os membros da Casa e defende
uma polêmica proposta: unificar as eleições nos níveis municipal, estadual e
federal, o que poderia fazer o eleitor ser ouvido apenas uma vez a cada cinco
anos. Para Castro, o Congresso precisa agir logo. "[Se a reforma
necessária não for aprovada agora] chegaremos à conclusão de que através do
Congresso Nacional não será possível. E aí teremos que pensar em uma
alternativa, como uma Constituinte", completa.
Confira
abaixo a íntegra da entrevista:
CartaCapital: Outras
comissões sobre reforma política já existiram na Câmara nos últimos 20 anos,
sem que tenha sido possível chegar a um acordo e aprovar uma proposta. O que
mudou na conjuntura política que torna possível a aprovação agora?
Marcelo Castro: Dessa vez estamos em melhores
condições do que antes. Há uma consciência muito aguda no Congresso Nacional de
que não é mais possível se conviver com o sistema eleitoral que temos hoje no
Brasil. As campanhas são excessivamente caras. Em consequência, temos uma influência
muito grande do poder econômico. Para os cargos majoritários (do Executivo,
como presidente, governador e prefeito), a influência é grande, mas não é
determinante. Mas para os cargos proporcionais (parlamentares) o poder
econômico é determinante. A regra
é: quem tem dinheiro se elege. Quanto mais se tem dinheiro mais se elege. Por
isso, os movimentos populares de junho carregavam cartazes com os dizeres
“vocês não nos representam”. Há um poço entre a classe política e a sociedade.
Precisamos fazer uma reforma política que torne a representação política mais
legítima.
CC: Segundo uma pesquisa do Datafolha, 61% dos
manifestantes no ato de sexta-feira 13 avaliam o Congresso como ruim ou
péssimo. Entre os participantes do ato de domingo 15, o percentual sobe para
77%. Essa avaliação é um reflexo desse sistema que o senhor mencionou?
MC: Sim, do financiamento de campanha e do
modelo de eleição que temos. Em 2013, uma pesquisa Ibope posicionou o Congresso
e os partidos políticos como as duas instituições com a menor credibilidade
segundo a opinião pública. Temos que fazer uma autocrítica. Em outra pesquisa,
o Datafolha constatou que 71% do eleitorado
brasileiro não tem identidade com nenhum partido político. A que ponto
chegamos...
CC: Ao que o senhor atribui
isso? Não seria um problema dos partidos?
MC: É um
problema do sistema. O sistema fragiliza os partidos. Os partidos ao redor do
mundo procuram ter uma identidade, um programa bem definido. Há um conteúdo
programático e ideológico para ter o apoio e representar um segmento da
sociedade. No Brasil, os partidos
fazem exatamente o contrário. Eles procuram não ter conteúdo ideológico para
não ter aversão de nenhum segmento da sociedade. Não é sem motivo que o
[ministro das Cidades, Gilberto] Kassab, presidente do PSD, disse que seu
partido não é de centro, não é de esquerda e nem de direita. Então, esse
partido se propõe a quê?
CC: O senhor culpa o
presidencialismo de coalizão por essa identidade coringa?
MC: A culpa é do sistema proporcional
de lista aberta. No mundo inteiro, não há sistema como o brasileiro. Grosso
modo, existem dois sistemas eleitorais nas democracias: o majoritário distrital
e o proporcional de lista fechada. Nosso sistema é uma adaptação mal feita, que
deu errado. No Brasil, nós
adotamos o sistema proporcional como um sistema de ideias e ao invés de
votarmos no conceito, na ideologia, votamos no candidato. O resultado disso é
toda essa anarquia que vemos no sistema brasileiro com a personalização da
campanha, enquanto no mundo inteiro as campanhas são partidárias.
[No
sistema majoritário distrital, o país é dividido em distritos eleitorais que
elegem um representante no Congresso. Assim, o representante não representaria
ideias ou partidos, mas as comunidades que habitassem seu distrito. No sistema
de lista fechada, privilegia-se a ideologia dos partidos. Neste sistema, cada
partido apresenta previamente a lista de candidatos. Esses candidatos são
ordenados crescentemente e o número de eleitos será proporcional ao número de
votos que o partido obteve. Dessa forma, os candidatos no topo da lista tendem
a se eleger com mais facilidade]
CC: Mas o partido do senhor,
o PMDB, é considerado um partido fisiológico, ou seja, sempre apoia o governo
independentemente do partido que está no poder. Isso não deve ser revisto?
MC: Evidentemente. Precisamos ter
partidos verdadeiros. Nós temos amontoados de siglas partidárias. O que quer
dizer PROS? Quer dizer, Partido Republicano da Ordem Social. Qual é o partido
que não é republicano e da ordem social no Brasil? Estamos cada dia mais
buscando criar partidos que sejam a negação da ideia de partido. O partido
consiste em segmentar a sociedade em um grupo de pessoas que defende um grupo
de ideias e quer aplicar essa ideia ao chegar ao poder. Eu não excluo o meu partido, o PMDB.
Não pode ser assim. Quando o eleitor vota em determinado partido hoje, ele vota
a favor do quê?
CC: Em sua opinião, a ideia
de partidos foi substituída pela ideia de bancadas?
MC: Foi substituída por isso e pelo
personalismo da política.
CC: Se vê uma grande união
nas bancadas evangélicas e da bala em torno de alguns projetos...
MC: Exatamente. Eles se elegem
pelos partidos mais diversos e ao chegar aqui eles têm uma identidade pela
religião e não por uma ideologia de partido. A prova disso é que os dez maiores
IDHs [Índice de Desenvolvimento Humano] levantados pela ONU são de
democracias estáveis com partidos consolidados.
CC: Em sua opinião,
tornou-se um negócio criar partidos políticos no Brasil?
MC: Nós temos 32 partidos no
Brasil, além de outros 21 esperando para serem registrados pelo TSE [Tribunal
Superior Eleitoral]. Eu suponho que deva ser um bom negócio, senão não haveria
tanto interesse. Será que dentre os 32 partidos brasileiros não há um que se
identifique com a linha ideológica de uma pessoa?
CC: O senhor conseguirá
apresentar o relatório final após o prazo regimental de 40 sessões do Plenário
da Câmara?
MC: Sem nenhuma dúvida. Entre o
final de abril e começo de maio, eu encerro meu trabalho. O ritmo aqui é de
frevo de Olinda.
CC: Existem 107 Propostas de
Emenda Constitucional (PEC) e diversos projetos de lei que abordam a reforma
política. Mas duas propostas possuem mais destaque: a PEC 352 do deputado
Cândido Vaccarezza (PT-BA) e o Projeto de Lei 6316, apoiada pela OAB e a CNBB.
A comissão está indo para qual direção?
MC: A maioria dos deputados apoia o
fim da reeleição, com mandato de cinco anos para todos, inclusive senador, e a
coincidência das eleições em 2018. Ainda resta discutir o fim das coligações
proporcionais e a cláusula de desempenho [que consiste em um partido ter
representação no Congresso apenas se tiver um percentual de votos no País]. A
finalidade é deixar no parlamento apenas partidos que têm certa
representatividade.
CC: A redemocratização
brasileira é recente e, por isso, ainda não há uma cultura de discussão
política permanente entre os brasileiros. Fazer eleições a cada cinco anos,
votando de uma vez só em prefeito, governador, presidente, senador, deputado e
vereador, não afasta a discussão política da sociedade?
MC: Não. Os temas hoje são
relacionados. Como um prefeito pode prometer resolver os problemas de segurança
e saúde de seu município? Ele não pode, não sem o apoio do governo estadual ou
federal. Com as eleições unificadas, ele estará do lado de seu candidato a
presidente e a governador para fazer as promessas. Ter um palanque de um
partido só fortalece os partidos.
CC: Mas isso já não acontece
nas eleições?
MC: Não, falta o prefeito e o
vereador que estão excluídos.
CC: Então, não existe o
risco de deixar de se debater política neste intervalo de cinco anos?
MC: Não há. Por que essa
necessidade de se debater essa questão municipal de dois em dois anos? Eu sou
favorável a se fazer tudo de uma vez a cada cinco anos.
CC: Existem
vozes no parlamento que dizem que as campanhas, principalmente, para presidente
são muito caras e muito longas. O senhor é favorável a encurtar o tempo de
campanha e o tempo de transição entre o fim das eleições e o novo mandato?
MC: Sou
favorável ao encurtamento das campanhas. A antecipação da posse dos eleitos
ainda é um assunto em discussão.
CC: Encurtar
as campanhas, que serão realizadas a cada cinco anos, não diminui ainda mais o
tempo para se debater as propostas políticas?
MC: Mas, em compensação, a
sociedade irá debater de maneira mais coerente e efetiva. Irá discutir temas
nacionais, estaduais e municipais de uma só vez, integrados. Eu acho mais
razoável.
CC: Mas o
tempo de campanha não deveria ser maior já que se votará em sete cargos de uma
só vez?
MC: Não, a campanha é
excessivamente longa. O Japão, há pouco tempo, fez uma campanha em doze dias.
CC: Qual seria o prazo ideal?
MC: O prazo ideal é de pouco menos
de dois meses de campanha. Hoje, temos três meses de campanha, no mínimo.
CC: A estratégia de debater
o financiamento de campanha e o sistema eleitoral por último visa colocar
reformas tidas como menores no projeto final?
MC: Não. Matérias como tempo de
mandato e o fim da reeleição são temas de simples compreensão que não carecem de
convidar cientistas políticos para ajudar o debate. Isso não se aplica a temas
mais complexos como o financiamento.
CC: É possível um consenso
sobre essa questão já que o PT, PMDB e PSDB possuem projetos de reforma
política distintos?
MC: Acredito que não passa nenhuma
proposta de reforma política se não houver um consenso mínimo. Todos os
projetos de reforma política da Câmara tinham mais votos contra do que a favor.
Imagina conseguir a aprovação de três quintos do Congresso para a aprovação de
uma PEC? Isso só será possível com um acordo entre as lideranças ou então vamos
fazer o que sempre fizemos: debatemos muito para, no final, não dar em nada.
CC: Mas dessa vez há uma
grande pressão popular pela reforma...
MC: Sim,
sabemos disso. Mas é difícil aprovar a reforma porque quem foi eleito se elegeu
com esse sistema que está aí. Só que se não conseguirmos realizar essa reforma
necessária desta vez, chegaremos à conclusão de que através do Congresso
Nacional não será possível. E aí teremos que pensar em uma alternativa, como
uma Constituinte, por exemplo. Se
não mudarmos, quem terá representação no Congresso serão os ricos, que podem
bancar as campanhas, os partidos evangélicos, os representantes dos militares e
personalidades, como artistas de televisão, jogador de futebol... as pessoas
normais serão excluídas da política.
CC: O seu
colega de partido, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), apresentou uma emenda ao
Orçamento que triplicou os repasses para o Fundo Partidário. Aumentar os
recursos deste fundo, em um sistema de financiamento misto de campanha, cujas
maiores doações provém do sistema privado, não é irrelevante e mais oneroso ao
bolso do contribuinte?
MC: Eu sou a favor do financiamento
misto, com a presença do Fundo Partidário. A diferença é que eu defendo apenas
doações de pessoas físicas com um teto de doação a ser estabelecido e sem o
poder econômico das empresas.
Fonte: Carta Capital