Senador, que tem seis décadas na vida pública e meio século de parceria
com todos os governos, deve se candidatar de novo, porém seu grupo enfrenta
dificuldades nos dois Estados
Por Vasconcelo Quadros
Políticos
do Maranhão, Amapá e dirigentes nacionais do PSB e PSDB apostam nas eleições de
outubro para interromper o ciclo de influência do senador José Sarney
(PMDB-AP), a mais felpuda e longeva raposa do Brasil republicano, com seis
décadas na vida pública e meio século de parceria com quase todos os governos
(a exceção foi o breve período de Fernando Collor) instalados depois do golpe
de 1964.
É nos
Estados onde Sarney erigiu um grupo político e um império econômico de raras
proporções que moram seus principais adversários. Flávio Dino (PC do B), no
Maranhão, e Dora Nascimento (PT), vice-governadora do Amapá, fazem parte de uma
movimentação que une adversários de peso na tentativa de desgastar a imagem de
Sarney para tirá-lo do cenário político.
“Será
um prazer ajudar a colocar o senador Sarney num pijama”, diz o senador João
Alberto Capiberibe (PSB-AP), o Capi, que assume a contenda como se dela
dependesse o aperfeiçoamento do processo democrático. “Será o encerramento de
um projeto político clientelista e patrimonialista que não cabe mais no Brasil.
Sarney é o atraso”, cutuca.
Entre
os adversários do governo, a intenção de jogar luzes sobre Sarney durante a
campanha é uma estratégia eleitoral. Os presidenciáveis Randolfe Rodrigues
(PSOL-AP) e Eduardo Campos (PSB-PE), por exemplo, há poucos dias pediram aos
eleitores a chance de colocar o PMDB e Sarney na oposição.
Capi,
que já foi governador do Amapá, atribui a influência do ex-presidente à
cassação de seu mandado, e da mulher, Janete, em 2006, eleitos à época,
respectivamente, para o Senado e Câmara. “Fomos acusados de comprar dois votos
por R$ 26,00, pagos em duas prestações. Nossa cassação teve influência direta
do Sarney”, lembra Capi.
No
Amapá, Capi orientou seu grupo, representado pelo governador Camilo Capiberibe,
seu filho, a dar apoio incondicional à candidatura de Dora Nascimento para a
única vaga em disputa para o Senado. Dora voltou do encontro nacional do PT, em
São Paulo, há duas semanas, animada por não ter recebido um veto explícito do
presidente do partido, Rui Falcão, e mandou seus assessores tocar a campanha.
“Ela tem
todas as condições para vencer e só não será nossa candidata ao Senado se o PT
não quiser”, avisa Capi. O problema de Dora leva o nome de Luiz Inácio Lula da
Silva, o “comandante geral” da campanha petista que, ao priorizar a reeleição
de Dilma – ninguém duvida – passará como um trator por cima das questões
regionais.
Dora
ouviu de Falcão que o comando nacional quer o apoio do PT do Amapá a Sarney.
Mas como é ainda pré-campanha e para evitar a antecipação de uma crise
anunciada, Falcão não deu ao desejo tom de imposição. Crítico do fisiologismo
do PMDB governista, do qual Sarney é um dos principais representantes, o
presidente petista está deixando a corda esticar.
Ciente
das dificuldades apontadas pelas pesquisas, Sarney fez na semana passada uma
parada obrigatória em Macapá, a capital do estado por ele criado quando foi
presidente da República e para onde raramente vai, embora há 24 anos o Amapá
venha lhe cedendo a cadeira do Senado que o mantém no centro do poder.
Sarney
ainda não assumiu a candidatura, mas envolveu-se em intensa costura de
bastidores para tentar reverter o favoritismo do candidato do DEM, Davi
Alcolumbre, e brecar o crescimento de Dora, que aparece em quarto lugar. Com o
ex-senador Gilvam Borges (PMDB), o terceiro nas pesquisas, seu fiel escudeiro,
Sarney nem se preocupa. Confia na hipótese de que ele abriria mão da disputa a
seu favor.
Nas
contas do PSB, os indicativos políticos conspiram contra Sarney. Se insistir na
candidatura, embora seja o responsável pela indicação de todos os ocupantes de
cargos federais no estado, ele terá a máquina estadual totalmente contra. Caso
Dora seja obrigada a retirar a candidatura, o PT local dificilmente apoiaria
Sarney porque ela se manteria na disputa pela reeleição a vice-governadora.
“Em
2006, o Sarney teve o apoio do governo, de 23 dos 24 deputados estaduais, de
todos os deputados federais, de 132 dos 140 prefeitos e de todos os vereadores.
Ainda assim, teve de despejar R$ 20 milhões no estado. O cenário agora é
oposto: o Amapá quer se livrar de Sarney e, aos 84 anos ele sabe dos riscos que
enfrentaria”, diz Capi, para quem o fim do mais longo ciclo de hegemonia na
história da República pode se dar por uma simples desistência de Sarney.
CACOETE - Procurado
pelo iG por meio de sua assessoria de imprensa, Sarney informou apenas que está
avaliando o cenário. Dentro de 30 dias deve anunciar sua decisão. Os sinais de
que pretende disputar apareceram no gesto de um pupilo, o senador Romero Jucá
(PMDB-RR), que abriu mão da relatoria da PEC 111 (que incorpora aos quadros da
União servidores demitidos dos antigos territórios do Amapá e Roraima), para
que Sarney assumisse a paternidade da medida e, assim, possa fazer média com os
cerca de 6 mil servidores que podem ser beneficiados.
Quem
conhece Sarney acha que o instinto de sobrevivência o empurrará para a disputa,
já quem sem um mandato, com seu grupo se esfacelando no Maranhão e problemas
acumulados pela família na Justiça, ficaria desconfortável como opositor. Há 50
anos na “janela” do poder, Sarney adquiriu cacoetes de cacique por exercer com
raro apetite o controle das máquinas: é o responsável direto ou indireto pelos
principais cargos de cinco ministérios (Minas e Energia, Previdência,
Agricultura, Aviação Civil e Turismo), indicou mais de 30 cargos federais no
Amapá e no Maranhão, e domina a Esplanada, em Brasília, com dezenas de
apaniguados em postos-chave. Minas e Energia ele controla de “porteira
fechada”.
“O
Sarney nem sabe o que é ser de oposição”, alfineta o ex-governador do Maranhão,
José Reinaldo Tavares, ex-aliado e hoje desafeto instalado no PSB. O poder de
Sarney é tão visível que, em 2011, o Palácio do Planalto rendeu-se a seu veto a
indicação do delegado Roberto Troncon para a direção da Polícia Federal. Hoje
superintendente da PF em São Paulo, Troncon era responsável pela direção
executiva do DPF, órgão que havia cacifado as investigações que encontraram
pegadas de Fernando Sarney, o filho empresário do senador, em irregularidades
nas obras da Ferrovia Norte-Sul no Maranhão.
É
impossível dimensionar o império econômico da família Sarney porque ele se
fraciona em dezenas de integrantes. O senador declarou à Justiça Eleitoral em
2006, ser dono de bens e valores que totalizam R$ 4.263.263,45, cifra modesta
de uma contabilidade em que nem consta a mansão onde ele mora, no Lago Sul de
Brasília, avaliada, por baixo, em R$ 4 milhões.
No
Maranhão, sede do Grupo Mirante, que inclui a afiliada da TV Globo,
repetidoras, emissora de rádio e jornais, os bens da família chegam à casa dos
bilhões, resultado de uma vida inteira dedicada aos negócios impulsionados pela
influência política do chefe do clã. “O grupo político de Sarney acaba em
2014”, avalia José Reinaldo, empenhadíssimo na derrocada do clã.
SEM CANDIDATO - Lá,
o ex-secretário de Infraestrutura, Luiz Fernando, que estava havia um ano e
meio em campanha e representaria o grupo, foi afastado da disputa pela
governadora Roseana Sarney para abrir espaço para Edison Lobão Filho, o Edinho,
filho do ministro das Minas e Energia, o senador Edson Lobão Filho. Edinho
nunca disputou uma eleição e só se tornou senador na vaga do pai, gentilmente
aberta pelo governo.
José
Reinaldo acha que sem um candidato a cargo executivo e diante do amplo
favoritismo de Flávio Dino, o governo no Maranhão começa a escapar das mãos do
grupo, abrindo caminho para encerramento do ciclo de hegemonia do cacique que
acumulou mandatos de deputado, governador, presidente da República e senador.
Com 36 anos de parlamento, é o mais antigo congressista da história.
“Quem
começa a ocupar o espaço é o Lobão. A família Sarney não terá candidato no
Maranhão. Estamos assistindo um desmoronamento de um império por dentro”, diz
José Reinaldo, para quem as chances de as oposições – todas elas contra Sarney
– triunfarem no Maranhão são matemáticas. Segundo as pesquisas, Dino, que tem o
PSDB de Aécio Neves e o PSB de Eduardo Campos na coligação, conta com mais de
50% de vantagem sobre Edinho Lobão e os demais.
A
possível eleição de um candidato comunista no Maranhão tem também o sabor de
uma vingança histórica: Dino pertence ao mesmo partido dos militantes
massacrados na Guerrilha do Araguaia na década de 1970, conflito ocorrido na
confluência do Maranhão com o Pará e Tocantins iniciado numa época em que
Sarney representava na região, como cacique da Arena e, depois, do PDS, um dos
principais aliados do regime militar.
“Acho
cedo para se falar em encerramento do ciclo. Não é a primeira vez que Sarney
enfrenta uma eleição difícil. Em 2006, com a vitória de Jackson Lago (PDT),
falaram a mesma coisa e ele ressurgiu forte, com o apoio do Lula”, lembra o
professor de história política da Universidade Federal do Maranhão (UFMA),
Wagner Cabral. “A verdade é que o Sarney nunca teve uma eleição fácil. E não
tenho dúvidas de que Dilma e Lula subirão no palanque de Edinho para apoiar
Sarney”, afirma.
DESGASTE NO CLÃ - Segundo
Cabral, a oposição ganhou musculatura porque a imagem da governadora Roseana
Sarney se desgastou em função de promessas de campanha não cumpridas – como a
instalação de uma refinaria da Petrobras no município de Bacabeira – e a
repercussão da mortandade no Presídio de Pedrinhas, no final do ano passado. A
crise penitenciária, segundo ele, escancarou a ausência de política de
segurança pública e expôs os péssimos números do governo maranhense na área
social.
O
desgaste, juntado com problemas de saúde, teriam levado a governadora a
desistir de disputar o Senado, abrindo mão inclusive de indicar um candidato do
grupo ao governo. Assim, abriu espaço para o crescimento de outros caciques
peemedebistas, como Lobão e o senador João Alberto Souza.
Um dos
dados que reforça a parceria de Lula com Sarney, mas ao mesmo tempo revela a
tragédia social do Maranhão, estado com Índice de Desenvolvimento Humano entre
os mais baixos do país, está no programa Bolsa Família: 54% da população
recebem o benefício. “Esse é o grande libelo acusatório contra Sarney”, diz o
ex-governador José Reinaldo Tavares.
As
controvérsias ficam por conta dos números eleitorais. Em 2010, um sexto dos 12
milhões de votos que garantiram a vitória de Dilma no segundo turno saíram do
Maranhão graças, em boa parte, a influência de Sarney, que converteu em votos
os benefícios do Bolsa Família.
Os
problemas colocaram Sarney num labirinto cujo caminho, mais uma vez, só poderá
ser iluminado pela interferência de Lula, que já deu seu veredito no Maranhão.
O presidente do PT, Raimundo Monteiro anunciou oficialmente o apoio a Edinho
Lobão, mas a maior parte do partido, algo em torno de 70%, se rebelou e, ainda
discretamente, está ao lado de Flávio Dino. “No Amapá o Lula tentará fazer a
mesma coisa. Eu até torço para que o Sarney saia candidato ao Senado. Será
melhor derrotá-lo nas urnas”, diz o senador João Capiberibe.
O único
nome da família Sarney que certamente disputará as eleições em 2014 é o
deputado José Sarney Filho, o Zequinha, que sempre se manteve longe do PMDB
governista e é dirigente nacional do PV. É o filho “rebelde”, que representa a
ala verde, sempre em choque com os interesses do agronegócio defendido pelo
pai.
Fonte: IG